domingo, 15 de julho de 2007

Sobreirito-8: Manuel Sobreiro, a sua vida contada pelo irmão António.


António Sobreira conheceu e conviveu de perto com o seu irmão Manuel Sobreiro, por isso convidei o meu tio e padrinho António para uma conversa.

Nelson - Sabe quando nasceu o seu irmão Manuel e o local?
António - O Manuel nasceu a 20 Fevereiro de 1942 em casa dos meus pais no lugar Chã da Laranjeira, freguesia Souto da Carpalhosa e concelho Leiria.
Naquele tempo os partos eram feitos em casa por isso eu e os meus irmãos nascemos em casa na Chã da Laranjeira, só o meu irmão José nasceu no Hospital em Leiria derivado a complicações na gravidez.

Nelson - Qual foi a Escola Primária que Manuel frequentou?
António - O Manuel frequentou a Escola Católica do Souto da Carpalhosa, tendo como professora a Sra. Luzia da Silva Crespo.
A Escola Católica abria às 09 horas e fechava às 15horas e serviam o almoço do meio dia às 13horas. Tal não acontecia na Escola Oficial, onde as aulas eram das 09 horas às 13 horas e sem almoço.

Nelson - O Manuel era um bom aluno?
António - O Manuel passou todos os anos, e para o exame da 4ºclasse a Sra. Professora Luzia fazia uma pré selecção e levava os melhores alunos para exame no Instituto em Leiria (para que os alunos da Escola Católica tivessem as melhores classificações entre as escolas da região) , e o Manuel era um deles.

Nelson - Qual a primeira recordação tem do Manuel?
António - Eu tinha seis anos de diferença do meu irmão Manuel. O primeiro acontecimento que guardo na memória, foi num dia em que o Manuel me pediu para guardar o saco de linhagem da Escola onde tinha os livros escolares e uma broa que era oferecida nas refeições da Escola. Eu estava a brincar na Eira com os meus irmãos José e Abel, e sem eu dar por isso apareceu um cão que pegou no saco de linhagem e fugiu com ele. Quando me apercebi, corri de imediato atrás do cão , mas já não fui a tempo de evitar que ele comesse a broa e rasgasse os livros da 4º classe. Naquele tempo era uma tragédia ! Não havia dinheiro para comprar outros livros, e a solução era arranjar os estragos dos livros danificados pelos dentes do cão! O meu Pai como era assinante do Jornal do Amigo do Povo usou as páginas do Jornal que eram do mesmo tamanho das folhas dos livros e colou com cola que era extraída nos pessegueiros e ameixoeiras, e deste modo os livros foram recuperados…
O mais curioso é que quando frequentei a 4º classe, usei os mesmos livros recuperados, que foram arranjados com as folhas do Jornal e cola de pessegueiro…

Nelson - Depois da 4º classe qual foi o percurso do Manuel?
António - O Manuel queria continuar a estudar, e o meu Pai apoiava porque adorava estudar e gostava que os filhos estudassem. Mas naquela altura as dificuldades eram imensas, e não havia possibilidades de pagar a continuação dos estudos. A única maneira de poder estudar sem ter dinheiro era frequentar o seminário.
Existiam várias instituições religiosas que procuravam vocações e que realizavam vários encontros com jovens rapazes, e foi num desses encontros que Manuel optou por ir para o seminário dos missionários do Verbo Divino.
Para as congregações missionárias iam os rapazes inteligentes dos familiares mais pobres e que não tivessem orientação religiosa, social e politica do pároco local. Porque para o Seminário diocesano, só iam rapazes em que as famílias obedecessem a uma conduta social, religiosa e politica que fossem do agrado do padre da paroquia local daquele tempo.

Nelson - Era necessário algum tipo de exame para ir para ao Seminário?
António - Eu não sei como foi com o Manuel, mas eu também estive no Seminário, e o padre Eugénio que me contactou na altura fez-me um teste engraçado, no qual tinha que decorar uma frase e dizê-la de seguida, ainda hoje me recordo e que era a seguinte : “ Camões é cego de um olho, Homem de inteligência rara, Camões vê mais com um olho do que tu com dois na cara. “

Nelson - Quanto tempo teve o Manuel no Seminário?
António - Perto de 10 Anos, frequentou e teve aproveitamento nos 1º, 2º, 3º ciclos, que corresponde a 7 anos de escolaridade, e mais dois anos de filosofia. No fim do 3º ciclo, o Manuel fez os votos no qual prometia ter vocação para ser padre, no final dos 2 anos de filosofia o Manuel optou não seguir os estudos, não sentindo vocação para ser missionário.

Nelson - Que fez o Manuel depois da sua saída do Seminário?
António - Ele saiu em 1964, andou à procura de emprego, mas como não tinha o serviço militar concluído, poucas portas se abriram. Ele queria seguir os estudos tirar Licenciatura em Direito. Mas lá consegui um emprego no Governo Civil de Leiria, onde tinha a tarefa de sortear e organizar os arquivos. E foi este trabalho que realizou durante os meses antes de ser convocado para a tropa.
Depois foi convocado para o serviço militar onde esteve em Mafra onde tirou o curso de Alferes Miliciano, depois 3 meses em Vila Nova Gaia e tirou a especialidade de minas e armadilhas em Tancos.

Nelson - Depois de tirada a especialidade militar foi chamado para a Guerra Colonial, recorda-se desse momento?
António - Sim, ele foi chamado para a Guerra Ultramar e sei que apesar da morte do meu Pai em 31 Julho de 1965, e deixando minha Mãe viúva com cinco filhos menores, não conseguiu ter o estatuto de Amparo de Mãe e assim seguiu para a Guerra na Guiné.

Nelson - Para que região da Guiné foi para a Guerra?
António - Aldeia da Formosa em Bissorã, perto da fronteira com o Senegal.

Nelson - No tempo em que ficou na Guiné, o Manuel veio alguma vez para Portugal?
António - Sim, veio passado um ano depois de estar na Guiné, esteve de férias um mês no continente e partiu novamente no Outono desse mesmo Ano.

Nelson - Tinha alguma Madrinha de Guerra?
António - Sim, não me recordo do seu nome mas estava em Leiria.

Nelson - Quando é que o Batalhão do Manuel era para ser rendido
António - O Batalhão do Manuel sofreu diversos adiamentos na sua rendição, e só foi rendido um pouco mais de um mês depois da sua morte, em Abril de 1968.
* Após varias conversas o texto foi concluído em 04 Dezembro 2007, com António Sobreira e Nelson S S Domingues

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